Por Ricardo Lemos Gonçalves – Advogado
A defesa do consumidor passou a ter uma maior proteção apenas com o advento da Constituição Federal de 1988, a qual instituiu que o “Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. Assim, a proteção ao consumidor passou de um mero princípio de ordem econômica para um direito fundamental constitucionalmente garantido.
Posteriormente, com surgimento da Lei 8.078 de 1990, a relação entre os consumidores e os fornecedores de bens e serviços fora definitivamente regulada, compilando normas e princípios, a fim de garantir a efetiva proteção daqueles que são tidos como hipossuficientes e vulneráveis na relação de consumo.
Dentre as normas estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor, está abarcado em seu artigo 18, aquelas que tratam especificamente sobre a responsabilidade dos fornecedores diante de vícios de qualidade manifestados nos produtos colocados no mercado.
A frente do vício apresentado no produto, o CDC concede ao fornecedor a oportunidade de saná-lo em 30 dias, sendo que, superado o prazo, poderá o consumidor optar pela: i) substituição do produto por outro da mesma espécie; ii) pela restituição imediata da quantia paga, ou ainda; iii) o abatimento proporcional do preço.
Todavia, entendemos que a determinação de substituição do produto ou até mesmo a restituição da quantia paga, após superado o prazo de 30 dias, deve ser flexibilizada, como por exemplo, no caso de um veículo importado adquirido pelo consumidor vir a apresentar um problema que exija a importação de peças.
Como é sabido, o veículo é uma máquina complexa, que envolve sistemas mecânicos diversos e específicos, os quais, às vezes, podem sofrer algum tipo de defeito ou falha que implique a sua temporária inutilização.
Dentro deste quadro, a concessionária que comercializou o veículo, em algumas oportunidades, não possui e dificilmente possuirá todas as peças necessárias ao reparo em estoque, sem razão exigir de modo diverso.
O próprio CDC traz em seu artigo 32 que os “fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças”, mas não garantir a reposição imediata. É neste momento que deve entrar a flexibilização do Magistrado ao analisar cada caso concreto.
O que não se admite é que, executado o reparo pelo fornecedor, o produto persista com as falhas reclamadas e, consequente, mostre-se efetivamente impróprio ou inadequado para o consumo.
Quer dizer, a falta de peças de reposição de forma imediata, que dependem muitas vezes do moroso andamento dos trâmites burocráticos de importação e que acabam porventura retardando os serviços de reparo, não pode ser vista como fator inapelável em desfavor do fornecedor no que concerne a oportunidade que lhe é dada para sanar o problema.
Deste modo, se um veículo fora perfeitamente consertado além do prazo legal de 30 dias oportunizado pelo CDC, temos que os aspectos acima abordados devem ser levados em consideração, haja vista que sanado o vício e não se mostrando o produto impróprio ou inadequado ao consumo, não há justificativa para substituição por outro, tampouco a restituição da quantia paga.
Importante destacar que os Tribunais vêm adotando esta posição em diversos julgados, inclusive o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná: “Efetuado o integral conserto do bem, não tem lugar a pretendida substituição do automóvel (TJPR – 10ª Cível – AC 0370210-3).
Conclui-se, portanto, em que pese o Código de Defesa do Consumidor ser um importante instrumento para o equilíbrio das relações de consumo, não pode nunca ser tido como mecanismo apto a afastar a formação do livre convencimento do Magistrado e ser aplicado “às cegas” apenas por se estar diante de uma relação de consumo, sob pena de se estabelecer verdadeiros tribunais de exceção.