Por
Josiane Trinkel/ João Candido Cunha Pereira Filho [i]
Sabe-se da importância do Transporte de Cargas na economia brasileira. Sem transportes, produtos essenciais não chegariam às mãos de seus consumidores, indústrias não produziriam, não haveria comércio externo. Qualquer nação ficaria literalmente paralisada se houver interrupção de seu sistema de transportes. No caso de um país de dimensões continentais como o Brasil, este risco se torna ainda mais crítico.
Segundo a Confederação Nacional de Transportes (CNT), 60 % de toda a carga transportada no Brasil usa o sistema modal rodoviário; 21 % passaram por ferrovias, 14% pelas hidrovias e terminais portuários fluviais e marítimos e apenas 0,4% por via aérea[1].
Enquanto países de grandes dimensões territoriais, como EUA, Canadá, China e Rússia utilizam predominantemente os modais ferroviários e aquaviário, em detrimento do rodoviário, no Brasil o que se observa é exatamente o contrário, ou seja, o predomínio absoluto do rodoviário.[2]
Infelizmente, a trajetória de rápido crescimento das atividades de transportes não foi acompanhada pelos investimentos necessários à manutenção e à expansão da infra-estrutura correspondente. Da mesma forma os profissionais que atuam na área, notadamente os motoristas, que passaram a enfrentar jornadas de trabalho extremamente longas e desgastantes, além de tantos outros fatores de risco, não tinham uma norma regulamentadora própria que os acobertassem.
Inúmeras são as peculiaridades que envolvem o exercício da profissão de motorista. Em resumida abordagem, enfocaremos aqui a questão da jornada de trabalho, vez que diante do alardeado índice de acidentes de trânsito e das exorbitantes cargas horárias exigidas dos motoristas, foi finalmente editado um texto legal com o escopo de regulamentar o exercício da profissão de motorista – a Lei 12.619, de 28.04.12.
São abrangidos por esta lei, todos os trabalhadores que conduzem passageiros, independentemente da natureza desse transporte, do tipo de veículo automotor, da distância percorrida e do número de pessoas conduzidas. A lei também inclui os trabalhadores cujas atividades consistem no transporte de cargas em geral, independentemente de sua natureza (animais, objetos ou valores). Nesse grupo, incluem-se os motoristas de carga/frete e os caminhoneiros em sua generalidade (condutores de caminhão carreta, caçamba, basculante, betoneira, tanque, etc).
A Lei 12.619/2012 tem como objetivo central regular e disciplinar a jornada de trabalho e o tempo de direção do motorista profissional. Mas é importante delinear estes dois conceitos, para que não sejam confundidos.
O tempo de direção é o período em que o motorista passa efetivamente conduzindo o veículo. Se aplica tanto aos motoristas com vínculo de emprego como aos autônomos. Já a jornada de trabalho é o período em que o empregado está à disposição da empresa, não necessariamente à frente do caminhão ou do ônibus. Tal jornada é regida pelas regras constitucionais ou por instrumentos convencionais da categoria.
Um dos grandes avanços da novel legislação, em especial para os motoristas que percorrem longas distâncias, diz respeito aos seguintes períodos de descanso:
- Intervalo mínimo de 30 minutos a cada 4 horas de tempo ininterrupto de direção, podendo tal tempo ser fracionado, desde que fracionado também o tempo de direção. Assim, se o motorista dirige 2 horas ininterruptas, poderá descansar 15 minutos;
- Intervalo de 01 hora para refeição (que pode ou não coincidir com o intervalo de descanso da direção);
- Um repouso diário de 11 horas – e com o veículo estacionado, salvo na hipótese de direção em dupla de motoristas.
Inovação importante é que para viagens de longa distância, quando o motorista tiver que permanecer junto ao veículo durante o tempo em que se encontrar parado (aguardando ser carregado ou descarregado) ou quando tiver que ficar parado para fiscalização dos documentos da carga (em barreiras fiscais ou alfandegárias), o motorista terá direito a tais horas como ditas “tempo de espera”, devidamente indenizadas com base no salário hora-normal acrescido de 30% (trinta por cento).
A lei também prevê o chamado “tempo de reserva”, para o caso onde há revezamento de motoristas. Neste caso, aquele motorista que não estiver dirigindo, mas com o veículo em movimento, terá tal tempo remunerado à razão de 30% do valor da hora normal.
Outra importante novidade trazida pela nova lei é a contida no art. 235-E, § 11, da CLT, que regula situação muito comum na região norte do país, onde os veículos de transportes são conduzidos através de embarcações fluviais. Nestes casos, desde que a embarcação disponha de alojamento para o repouso diário previsto no parágrafo 3º, do artigo 235-C (intervalo de 1 hora para refeição e 11 horas a cada 24 horas), esse tempo não será considerado como jornada de trabalho. Existindo tempo restante, será considerado como “de espera”, conforme já comentado acima.
Apesar de trazer diversos aspectos positivos, a lei em questão sofreu vetos importantes da presidente Dilma, como o artigo que previa a obrigação do governo em construir postos de parada seguros e confortáveis para os motoristas, ao longo das rodovias, para o cumprimento dos intervalos obrigatórios de descanso.
Além disso, dois dos Projetos de Lei que tramitaram durante vários anos no Congresso Nacional, não tiveram suas principais propostas contempladas na novel legislação. Um que visava estipular um piso salarial de 08 salários mínimos para a categoria, jornada de trabalho de 6 horas para o labor em turnos ininterruptos de revezamento, além da proibição da jornada de trabalho noturna. Outro, que previa a percepção do adicional de penosidade, correspondente a no mínimo o pagamento de 30% da remuneração mensal, justificado diante das condições reconhecidamente penosas e estressantes do exercício desta profissão.
Como a referida lei ainda é recente e possui como foco principal a redução da alta taxa de mortalidade derivada de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais dos motoristas, espera-se efetivamente que a limitação do tempo de trabalho, seja vista, não somente como uma medida de organização do trabalho, mas como uma forma eficaz de garantir a saúde e a integridade física destes trabalhadores.
[1] CNT, 2009.
[2] Transporte de cargas no Brasil: estudo exploratório das principais variáveis relacionadas aos diferentes modais e às suas estruturas de custos. Peter Wanke e Paulo Fernando Fleury, 2006.
[i] Advogados em Curitiba, no escritório Cunha Pereira Filho Advogados Associados.